Retrospectiva Cineclube Araucária 2025
Por Marcelo Ikeda
Durante o ano de 2025, um conjunto de pessoas as mais diversas, morando nos mais longínquos lugares do Brasil (e até no exterior!), vimos em conjunto 45 sessões de filmes e nos reunimos semanalmente a cada terça-feira para conversar sobre eles em conjunto. Para mim, foi um enorme aprendizado colocar na minha rotina esse exercício de ver um filme instigante e pensar/debater sobre eles. É ainda uma atividade social notável, ao reunir tanta gente bacana e diferente, reunida sob a batuta do grande mestre inspirador Cervantes Sobrinho, que conduz com elegância e simpatia todo o ciclo.
Entre esses 45 filmes, selecionei 10 títulos como destaques desse ano de 2025. É apenas um exercício de listas para puxar pela memória e recuperar todos os filmes e debates que ali travamos. Infelizmente não pude estar presente em todos, porque viajei muito neste ano por motivos profissionais, mas estive na maioria dos encontros.
Bom, vamos aos meus destaques. Trapaceei e coloquei onze títulos rs. Dividi em três blocos:
02/12 A Última Palavra (1973), de Binka Zhelyazkova
16/12 A Reconstituição (1968), de Lucian Pintilie
22/10 O Canto da Saudade (1952), de Humberto Mauro
22/07 O Dinheiro (1928), de Marcel L'Herbier
15/07 O Romance de um Trapaceiro (1936), de Sacha Guitry
13/05 A Saga de Gösta Berling (1924), de Mauritz Stiller
06/05 Rua das Lágrimas (1925), de Georg Wilhelm Pabst
12/08 Limite (1930), de Mário Peixoto
07/01 O dilema de uma vida / Il deserto rosso (1964), de Michelangelo Antonioni
21/01 Asas do Desejo (1987), de Wim Wenders
14/01 Teorema (1968), de Pier Paolo Pasolini
O grande destaque deste ano para mim foi a mostra de filmes raros do Leste Europeu, com curadoria de Mateus Brito. Adoro a possibilidade de descobrirmos joias pouco conhecidas, como o fizemos com os saudosos ciclos do cinema tcheco (para mim, o mais inesquecível momento de todo o Cineclube em anos anteriores, junto com o ciclo de cinema japonês rs) e do cinema polonês. E o grande momento deste ano foi a possibilidade de descobrir a filmografia dessa grande realizadora búlgara que é a Binka Zhelyazkova. Poderia colocar todos os cinco filmes dela que vimos no Cineclube como os destaques do ano. Mas, escolhendo um só, eu fico com A última palavra, um filme que mostra toda a sofisticação, toda a complexidade na composição de um amálgama entre delicadeza e violência que melhor sintetiza o estilo dessa realizadora ímpar. Ainda, nessa curadoria, vimos dois filmes seminais do romeno Lucian Pintilie. A reconstituição é uma obra-prima do cinemaa romeno, em analisa a relação entre burocracia, educação e cinema na formação de uma sociedade institucionalizada e violenta.
Outro destaque desse ano foi a mostra de filmes de Humberto Mauro, nosso grande cineasta precursor. Entre seus clássicos, foi ótimo rever O canto da saudade, sessão que rendeu um excelente debate, com a presença de Júlio Mauro, sobrinho-neto do realizador. Esse filme, por trás de sua aparente simplicidade, revela uma análise profunda sobre as contradições do ruralismo, mas vista pelo olhar generoso e cuidadoso de Humberto Mauro, quase como uma síntese de sua trajetória no cinema, de elegante corte clássico.
Vimos, também um conjunto de filmes do cinema pré-sonoro. Ótima oportunidade para (re)ver um período tão fértil na história do cinema. Destaco o conjunto de filmes que vimos do grande Marcel L´Herbier, um cineasta extremamente sofisticado que hoje não é tão conhecido como outros. Entre eles, destaco o ambicioso O dinheiro, uma análise poderosa dos limites do capitalismo empreendedorista alguns anos antes do crack da bolsa de NY. Outro filme pré-sonoro ambicioso é Gosta Berling, do sueco Mauritz Stiller, grande cineasta pouco conhecido. O Cineclube também exibiu um ciclo de filmes do (controverso) G. W. Pabst, enorme cineasta na Alemanha especialmente dos anos 1920. Entre eles, destaco Rua das lágrimas, que mostra a guinada do cinema alemão saindo do expressionismo para um olhar mais realista sobre as contradições de sua sociedade, num período imediatamente anterior à ascensão do nazismo, por meio de um olhar social cru e crítico. Foi ótimo rever a trajetória de Pabst, esse notável realizador meio esquecido.
Foi delicioso rever O Romance de um Trapaceiro (1936), de Sacha Guitry, um cineasta que sempre foi subvalorizado, mas esse filme é extremamente inventivo como pesquisa de linguagem e absolutamente divertido e delicioso. O uso da palavra e da “narração” e as relações ambíguas entre imagem e palavra, ou ainda, uma investigação irônica e crítica sobre os limites do testemunho e sobre a autoimagem – especialmente nos tempos de hoje das “selfies”.
Por fim, destaco quatro clássicos absolutos do cinema de todos os tempos, que não poderiam ficar de fora. Eu, particularmente, sempre acho que o Cineclube é uma oportunidade de descobrir e debater filmes mais raros. Mas é bastante oportuno mesclar esses filmes com outros que formam a “fortuna crítica” do nosso cinema. Esses quatro filmes, cada um ao seu modo, são para mim enormes obras primas do cinema. E, confesso, que Asas do Desejo foi um dos filmes mais importantes na minha formação de cinéfilo que me fez decidir escolher o cinema como ofício. Saí da sessão desse filme no CCBB/RJ absolutamente transformado! E também meu primeiro artigo publicado sobre um filme (na então revista Cinemais) foi sobre esse filme, ainda em 2000!. Limite, Teorema e Deserto Rosso devem estar na lista de qualquer pessoa que queira entender melhor a contribuição do cinema como expressão artística no século XX. Então não poderiam ficar de fora dessa lista rs.
Viva os encontros! E que venha 2026!
BAN-ZAI!!!
Marcelo Ikeda.
Em anexo, todos os filmes exibidos no Cineclube em 2025.
Cineclube Araucária 2025 – 45 debates online
30/12 Tchau, Até Amanhã (1960), de Janusz Morgenstern
23/12 A Piscina (1977), de Binka Zhelyazkova
16/12 A Reconstituição (1968), de Lucian Pintilie
09/12 Domingo às Seis Horas (1966), de Lucian Pintilie
02/12 A Última Palavra (1973), de Binka Zhelyazkova
25/11 Éramos Jovens (1961), de Binka Zhelyazkova
18/11 O Balão Amarrado (1967), de Binka Zhelyazkova
11/11 Curtas Humberto Mauro (II): Mauro, Humberto (1965), de David Neves; Jonjoca, O Dragāozinho Manso (1942) e Castro Alves (1948), ambos de Humberto Mauro
04/11 Curtas Humberto Mauro (I) INCE: 1. Brasilianas canções populares: chuá, chuá; casinha pequenina (1945); azulão; pinhal (1948); 2. Brasilianas: aboio; cantiga (1954); 3. Brasilianas: engenhos e usinas (1955); 4. Brasilianas: cantos de trabalho (1955); 5. Brasilianas: manhã na roça; carro de bois (1956); 6. Brasilianas: meus oito anos (1956);
7. O Joāo de Barro (1956); 8. São João Del Rei (1958); 9. Campos do Jordāo (1947); 10. A velha a fiar (1964); 11. Carro de bois (1974), todos realizados por Humberto Mauro
28/10 Mulher (1931), de Otávio Gabus Mendes
22/10 O Canto da Saudade (1952), de Humberto Mauro
14/10 Argila (1940), de Humberto Mauro
07/10 SEM SESSÃO
30/09 O Descobrimento do Brasil (1936/37), de Humberto Mauro
24/09 Tesouro Perdido (1927), de Humberto Mauro
16/09 Lábios Sem Beijos (1930), de Humberto Mauro
09/09 Sangue Mineiro (1928), de Humberto Mauro
02/09 Braza Dormida (1928), de Humberto Mauro + comentários João Luiz Vieira
26/08 Ganga Bruta (1933), de Humberto Mauro
19/08 Sinfonia da Metropole (1929), de Adalberto Kemeny e Rudolf Lustig
12/08 Limite (1930), de Mário Peixoto
05/08 Feu Mathias Pascal (1926), de Marcel L'Herbier
29/07 A Inumana (1924), de Marcel L'Herbier
22/07 O Dinheiro (1928), de Marcel L'Herbier
15/07 O Romance de um Trapaceiro (1936), de Sacha Guitry
08/07 Mendigos da Vida (1928), de William A. Wellman
01/07 Ópera dos três vinténs (1931), de Georg Wilhelm Pabst
24/06 O Inferno Branco de Pitz Palü (1929), de Arnold Fanck e Georg Wilhelm Pabst
17/06 Segredos de uma alma (1926), de G.W. Pabst
10/06 Crise (Abwege) (1928), de Georg Wilhelm Pabst
03/06 O Amor de Jeanne Ney (1927), de Georg Wilhelm Pabst
27/05 Diário de uma Perdida (1929), de Georg Wilhelm Pabst
20/05 A Caixa de Pandora (1929), de Georg Wilhelm Pabst
13/05 A Saga de Gösta Berling (1924), de Mauritz Stiller
06/05 Rua das Lágrimas (1925), de Georg Wilhelm Pabst
22/04 A Semente do Fruto Sagrado (2024), de Mohammad Rasoulof
15/04 A Garota da Agulha (2024), de Magnus von Horn
08/04 Ainda estou aqui (2024), de Walter Salles + Trago notícias de Fernando (2022), de Jáder Barreto Lima (curta)
01/04 Sem Chão (2025), de Yuval Abraham, Basel Adra, Rachel Szor e Hamdan Ballal
25/03 O cruzeiro (1970), de Marek Piwowski
18/03 Homens não choram (1968), de Sulev Nommik
11/03 Eva Quer Dormir (1958), de Tadeusz Chmielewski
“FÉRIAS” – INTERVALO – FESTIVAL DE CURTAS CAMPOS DO JORDÃO
28/01 Gabbeh (1996), de Mohsen Makhmalbaf
21/01 Asas do Desejo (1987), de Wim Wenders
14/01 Teorema (1968), de Pier Paolo Pasolini
07/01 O dilema de uma vida / Il deserto rosso (1964), de Michelangelo Antonioni
Nenhum comentário:
Postar um comentário